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  • Foto do escritorMiguel Freitas

A cultura portuguesa ficou mais pobre sem a inteligência de Eduardo Lourenço

O ensaísta, professor e filósofo morreu em Lisboa, aos 97 anos. Foi um dos pensadores mais ativos da cultura portuguesa, escrevendo várias obras sobre a sociedade portuguesa.

Fonte: RTP

Segundo a Agência Lusa, Eduardo Lourenço faleceu nesta terça-feira. Era conselheiro de Estado, professor, filósofo, escritor, crítico literário, ensaísta e interventor cívico e foi várias vezes galardoado e distinguido.


Eduardo Lourenço Faria nasceu a 23 de maio de 1923, em S. Pedro do Rio Seco, no concelho de Almeida, na Beira Alta. Era o mais velho de sete irmãos e era filho de um militar do exército. Por influência do seu pai, matriculou-se no Colégio Militar, em Lisboa, onde concluiu o curso em 1940. Desta experiência no Colégio Militar, além das boas notas nas redações, ficou o gosto pela História.

Apesar dos seus colegas não se interessarem por ela, Eduardo atribuía essa paixão ao professor Sanches da Gama, assim como a todos os livros que foi colecionando e que o pai tinha deixado em São Pedro do Rio Seco. “Como não tinha mais nada para ler, esses livros de História foram a minha ficção. A maior das minhas paixões é a História. A História como a ficção suprema da humanidade”, confessou Eduardo Lourenço ao jornal “PÚBLICO”


Um currículo como poucos


Licenciou-se no curso de Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras na Universidade de Coimbra, onde foi depois professor assistente, tendo emigrado para França em 1949, ano em que é publicado o seu primeiro livro “Heterodoxia I” – “um dos mais nobres e perturbantes discursos ensaísticos de toda a nossa história literária”, segundo o professor e ensaísta Eugénio Lisboa.


Passado alguns anos, foi leitor nas universidades de Hamburgo (1953) e de Heidelberg (1954). Também foi professor convidado na Universidade da Baía (1958) e, a convite do Governo francês, tornou-se leitor na Universidade de Grenoble entre 1960-1961 e 1964-1965. Além disso, foi conselheiro cultural da Embaixada Portuguesa em Roma até ao ano de 1991. Em solo português, foi professor convidado da Universidade Nova de Lisboa.


Fonte: Eduardo Lourenço

“Nunca tive para mim estatuto de ‘professor Eduardo Lourenço’. Fui um professor muito atípico - as pessoas só há pouco tempo é que me tratam assim. Essa é uma das coisas da cultura portuguesa, a complexidade chinesa nos tratamentos. Deixo de escrever cartas porque não sei como é que as hei-de tratar! Às vezes dizem-me ‘professor doutor’. Eu digo: ‘Professor sem ser doutor e doutor sem ser professor’. Mas nunca fui as duas coisas ao mesmo tempo. Eu não vivo nessa categoria de professor (...) Nunca apostei numa forma de carreira, de nenhuma espécie”, afirmou Eduardo Lourenço à revista “PÚBLICA” em 2003.


Eduardo Lourenço, que era frequentador de tertúlias literárias, convivia com jovens da sua geração tal como Eugénio de Andrade, mas também com pessoa mais velhas como Miguel Torga, com o qual teve uma forte ligação. A ligação era tão forte que Torga oferecia-lhe livros com dedicatórias simpáticas e foi por influência dele que Eduardo lançou o seu primeiro livro em 1949. Além disso, foi à obra de Miguel Torga que Eduardo Lourenço dedicou o seu segundo livro “O Desespero Humanista na Obra de Miguel Torga e o das Novas Gerações” (1955).


As merecidas distinções a um génio


Com inteligência, imaginação e uma capacidade de relacionamento fora do normal, Eduardo Lourenço fascinou tudo e todos com a sua maneira de escrever. Entre os inúmeros prémios que recebeu, destacam-se o Prémio Europeu de Ensaio Charles Veillon (1988), Prémio Camões (1996), Prémio Pessoa (2011) e Vasco Graça Moura (2016). Além disse, o país francês distinguiu-o com a Ordem Nacional de Mérito (1996), a Ordem das Artes e das Letras (2000) e a Legião de Honra (2002).


Na fase final da sua vida, em 2018, foi protagonista e narrador da sua própria história num filme de Miguel Gonçalves, que teve a sua antestreia a 23 de maio, dia em que Eduardo Lourenço completou 95 anos. O filme intitulado “O Labirinto da Saudade” adapta a obra de Eduardo e tenta fazer uma viagem através da cabeça do pensador, tornando-se uma “homenagem em vida” do realizador ao ensaísta.


Em 2019, Eduardo Lourenço cumpriu uma das suas aparições públicas mais sonantes, numa homenagem em que o primeiro-ministro, António Costa, reforçou a "sabedoria ilimitada" e que se tratava de "um dia de festa da cultura portuguesa". O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa também fez questão de homenagear o ensaísta com uma mensagem na página da Presidência. A União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa instalou uma estátua sua, em bronze, da autoria de Leonel Moura, nos jardins em Lisboa.



Portugal de luto


Num dia em que uma mente tão brilhante nos deixa, foram inúmeras as reações à sua morte. O Presidente da República afirmou que “Devemos-lhe algumas das leituras mais decisivas de Pessoa, que marcam um antes e um depois, e um envolvimento, muitas vezes heterodoxo, nas questões religiosas, filosóficas e ideológicas contemporâneas, do existencialismo ao cristianismo conciliar e à Revolução”, numa nota publicada do site da Presidência da República.


Também António Costa, lamentou a perda de um "camarada" com quem aprendeu muito. Em declarações aos jornalistas aquando das celebrações do 1º de dezembro em Lisboa, desabafou dizendo "É, para mim em particular, um momento de grande tristeza. Trata-se de um amigo, um camarada, de alguém com quem tive a oportunidade de privar, de aprender muito, e que nos deixa".


Fonte: António Costa

Graça Fonseca, ministra da Cultura, lamentou a perda de "uma das mentes mais brilhantes do país". Acrescentou ainda que “Eduardo Lourenço foi um pensador, arguto e sensível como poucos, e incansável combatente do caos dos dias”.


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