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  • Foto do escritorPedro Marques dos Santos

Persistência e adversidade: O caminho de Joe Biden até à presidência dos EUA

Numa carreira política que começou aos 29 anos, o democrata está prestes a cumprir o sonho antigo de ser presidente dos Estados Unidos da América. Esta é a história daquele que vai ser o mais velho presidente do país.


Fonte: Associated Press

Oriundo de Scranton, na Pensilvânia – estado que acabaria por ser decisivo na sua eleição -, Joseph Robinette Biden Jr. nasceu a 20 de novembro, 1942, filho de pais da classe média trabalhadora, mudou-se ainda na juventude para Delaware, estado em que pôde finalmente fazer o discurso de vitória como presidente eleito dos Estados Unidos da América.


Algo desleixado nos estudos, desde cedo demonstrou uma propensão para superar obstáculos e ultrapassar a adversidade. Em tenra idade, recitava poesia em frente ao espelho para lutar contra a gaguez e parecia manter sempre consigo as palavras do seu pai, um vendedor de carros em segunda mão: “A medida de um homem não é o número de vezes que é derrubado, mas a rapidez com que se levanta”.


Vida marcada por tragédias pessoais


E Joe Biden foi derrubado várias vezes no seu caminho até à Casa Branca. Já com o sonho da presidência bem presente, o democrata começou cedo a sua carreira política e foi eleito senador de Delaware com apenas 29 anos, tornando-se um dos mais jovens a assumir essa função. A tragédia bateria à sua porta pouco depois desta vitória. Na verdade, acabaria por fazer o juramento e assumir o cargo num hospital onde estavam internados dois dos seus filhos, gravemente feridos após um acidente automóvel que vitimou a sua mulher Neilia e a filha Naomi, de apenas 13 meses.


Joe Biden com o filho Beau / Fonte: Getty Images

Mais recentemente, o filho Beau, herói da guerra no Iraque e figura popular no seio do partido democrata, morreu aos 46 anos, vítima de cancro, numa altura em que se falava da possibilidade do vice-presidente de Obama entrar na corrida às presidenciais de 2016, algo que acabou por não acontecer. Antes disso, e já depois de desistir das primárias democratas, em 1988, Biden foi submetido a operações para debelar dois aneurismas que poderiam ter sido fatais.


Apesar de todos estes eventos e de nova tentativa sem sucesso de chegar à presidência durante as primárias democratas de 2008, Joe Biden, católico de origem irlandesa, prosseguiu o seu caminho e está agora a pouco menos de duas semanas de cumprir o seu sonho. Quando assumir o cargo na Casa Branca, o mais velho presidente da história dos EUA com 78 anos.


Uma longa carreira política


Sem o carisma natural de outros candidatos, quem o conhece destaca a decência e empatia como os seus principais trunfos ao longo de uma extensa carreira como senador – seis mandatos que se traduziram em 36 anos no cargo – e depois como vice- -presidente, durante oito anos. Cultivou, graças a várias iniciativas bipartidárias que promoveu no senado, a imagem de negociador, característica que se revelaria chave durante a administração de Barack Obama.

Joe Biden (1972)

Apesar de uma postura conservadora em algumas questões sociais e demasiado diplomata na procura de chegar a entendimentos com o partido republicano – postura que dificulta a sua relação com a ala mais progressista do partido democrata -, aquando da sua primeira eleição para o senado, em 1972, Biden convenceu o eleitorado de Delaware com uma plataforma focada em questões ambientais, direitos civis, justiça da política fiscal e assistência médica para a generalidade da população.


Consequências de uma carreira tão longa na política, Joe Biden está exposto com frequência às posições e declarações do passado no momento de enfrentar os críticos. Logo no início do seu percurso no senado, esteve no centro de polémica ao votar contra a lei que propunha um ponto final na segregação dos autocarros escolares. Justificou mais tarde a decisão no facto de propor que o ponto final na segregação deveria ir ao mais longe, não se ficando apenas pelo transporte, mas sim por toda a instituição escolar. A intenção era boa, mas a execução passou a mensagem contrária.


O democrata foi também criticado pela sua atuação durante o testemunho de Anita Hill que acusou Clarence Thomas, atual juiz do Supremo Tribunal – na altura apenas candidato ao cargo -, de assédio sexual. Pediu desculpas em 2019, num telefonema que a advogada e ativista considerou insatisfatório. Ainda assim, Hill apoiou Joe Biden durante as últimas presidenciais. Acabaria mais tarde, em 1994, por reposicionar-se sobre este tópico, momento em que conseguiu a aprovação da Lei de Violência Contra as Mulheres, um conjunto de medidas para combater a violência doméstica nos Estados Unidos.


Ainda que o tema não tenha tido uma prevalência notória nas presidenciais de 2020, Biden viu também o seu nome associado ao movimento “MeToo” na antecâmara destas eleições, ao ser acusado de interações menos próprias por várias mulheres. Ainda que a maioria tenha recusado a referir-se a essas situações, em relação às quais reconheceu os seus erros, como assédio sexual, o agora presidente eleito foi acusado de assédio sexual por Tara Reade, sua assistente no senado, num caso que remonta a 1993, algo que Joe Biden nega ter acontecido.

A nível internacional, o momento de maior protagonismo do então senador surgiu quando, durante um encontro com Slobodan Milosevic em plena Guerra da Bósnia, acusou o líder sérvio de ser “um maldito criminoso de guerra, que devia ser julgado por esses crimes e que tudo faria para que ele respondesse perante a Justiça”. Segundo o próprio, o seu papel neste conflito é o “maior orgulho na vida pública” no plano internacional.


A vice-presidência ao lado de Obama, com várias gaffes à mistura


Uma dupla improvável, mas que se revelou de sucesso. Depois de derrotado nas primárias democratas, Biden foi o escolhido para acompanhar Barack Obama na corrida à presidência de 2008, num claro esforço do partido para conquistar o voto da classe média, eleitorado em que o então senador era mais popular

Fonte: Getty Images

Fundamental para estabelecer pontes com os republicanos no congresso, a sua vice-presidência ficou marcada não apenas pela estreita relação de amizade com Obama, mas também pelas gaffes que cometeu durante a sua estadia na Casa Branca. A de maior relevo terá sido em 2012, quando durante uma entrevista e numa fase em que o então presidente não tinha ainda uma posição tomada sobre o tópico, revelou o seu apoio ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, o que acabou por trazer o tema para a esfera pública e obrigar a uma tomada de posição oficial da administração.


Antes disso, quando ainda eram oponentes nas primárias democratas, Biden referiu-se a Obama como “o primeiro afro-americano convencional que é articulado, brilhante e ainda por cima bem-parecido”. Fazendo recuar a cassete ainda mais atrás, foi acusado de plágio do discurso do político Neil Kinnock – apesar de o ter citado em inúmeras intervenções anteriores – durante a sua primeira passagem por umas eleições primárias, o que acabou por precipitar a sua desistência da corrida pouco depois. Também foi acusado de plágio num trabalho quando estava a tirar o seu curso de Direito, mas desculpou-se com o desconhecimento das regras de citação.


Como reconhecimento do seu trabalho, recebeu do Presidente a Medalha Presidencial da Liberdade, a maior condecoração civil dos Estados Unidos, num dos últimos atos da administração Obama.


A vitória, finalmente


Apesar do currículo bem preenchido, depois de mais de três décadas como senade Delaware e dois mandato como vice-presidente de Barack Obama, Joe Biden teve uma acérrima oposição antes de conseguir o apoio de todas as fações do partido democrata. Para além de Kamala Harris, que se tornou entretanto a sua vice-presidente, o presidente eleito superou ainda Pete Buttigieg e Beto O’Rourke, dois nomes que prometem fazer parte do futuro próximo do partido, bem como Bernie Sanders, o crónico e popular candidato que vê apenas as suas posições mais socialistas impedirem-no de gerar o consenso necessário.


Candidatos às Primárias do Partido Democrata / Fonte: The New York Times


Superadas as primárias, chegou o momento do confronto com Trump, fase em que as acusações de corrupção contra si e o seu filho Hunter, o único ainda vivo do seu primeiro casamento, por parte do ainda presidente dos EUA subiram de tom. “Joe Biden e o seu filho são corruptos. Se um republicano tivesse feito o que eles fizeram, estava agora na cadeira elétrica”, atirou Donald Trump. Apesar das acusações e das subsequentes investigações, nada de ilegal foi provado sobre os negócios de Hunter na Ucrânia e na China.


Numas eleições em que, mais do que um duelo de políticas ou ideologias, se avaliou o caráter dos candidatos, a experiência acumulada ao longo de uma extensa carreira política e a imagem apaziguadora e conciliadora que cultivou junto do eleitorado ditaram a vitória sobre o discurso divisivo de Trump, naquela que foi a sua terceira tentativa de chegar à presidência.


Finalmente no cargo que sempre desejou, o primeiro desafio da nova administração vai passar pelo combate à pandemia, onde vai ser “preciso muito trabalho árduo”. Depois, fica a promessa de que os Estados Unidos da América vão voltar a liderar o mundo, aliados vão voltar a ser aliados e vai haver o regresso a tratados e acordos internacionais abandonados durante a administração Trump.

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