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  • Foto do escritorMiguel Marques Ribeiro

Quem lucra e quem perde com a Covid-19?

2020, já se sabe, foi um ano negro. A pandemia colocou o mundo à beira de uma crise económica para a qual é difícil encontrar paralelo em termos históricos. No entanto, mesmo no meio desta calamidade, o jogo do dinheiro não se faz apenas de vencidos. Há aqueles que têm lucrado, e muito, com a propagação do vírus.



No 1º semestre de 2020 perderam-se 500 milhões de empregos a nível mundial, estima o FMI. Foto: Getty Images

A doença espalhou-se com uma rapidez fulminante e imprevisível, aproveitando, ironicamente, as vias de progresso abertas pela globalização. Aquele que tem sido o grande motor de desenvolvimento dos últimos anos, a aproximação física entre pessoas, empresas e territórios por intermédio das vias de comunicação, foi, neste caso, o veículo através do qual a crise se espalhou pelo mundo.


É apenas um ano para esquecer ou estamos no início de mais uma década perdida?


As previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) apontam para uma queda da riqueza mundial de 7,2 pontos percentuais em relação a 2019 e de 11,4 ao nível das trocas comerciais. Os índices do comércio recuam, nalguns casos, a valores de 1990, segundo um relatório da United Nations Conference on Trade and Developement (UNCTAD).


Globalmente, assistiu-se a uma queda abrupta no segundo trimestre de 2020, sucedida por uma elevada recuperação no terceiro trimestre. Esta tendência positiva foi entretanto atenuada, motivando uma desacelaração do crescimento no quarto trimestre. De imediato, 2021 não traz perspectivas famosas, isto apesar do início do processo de vacinação permitir encarar 2021, no seu todo, com optimismo moderado.


Contudo, a pandemia não tem afectado o mundo e a sociedade de forma igual. Nos Estados Unidos, alerta a American for Tax Fairness, a fortuna dos bilionários cresceu 36%, ou seja, a cada dia que passou, em 2020, os mais ricos amealharam mais de 3 mil milhões de euros. O número dos que pertencem a esta restrita lista também cresceu: eram 614, agora são 651. Tudo isto, enquanto 67 milhões de pessoas perdiam o emprego naquele país.


A nível global, os cálculos do FMI apontam para a perda de mais de 500 milhões de empregos na primeira metade do ano. As mulheres e os trabalhadores informais têm sido particularmente afectados.


Os efeitos regressivos dos confinamentos também têm prejudicado mais as populações vulneráveis (onde se incluem minorias, imigrantes, indivíduos com baixas qualificações e salários inferiores).


Espera-se que, a longo prazo, o confinamento tenha um impacto positivo na economia, mas, no imediato, o Fundo diz que este é um “factor com elevado potencial de alargamento das desigualdades”, e que também ao nível das disparidades de rendimento estamos a regressar a índices da década de 90.


O azar de uns, a fortuna dos outros


Esta não é uma crise como as outras. Ao contrário da crise de 2008/09, por exemplo, a queda abrupta faz-se do lado da oferta (manufactura, serviços, etc.), mas também ao nível do consumo. Isto tem obrigado os Estados (sobretudo dos países desenvolvidos) a um esforço sem precedentes.


A Microsoft é a empresa cujos lucros mais aumentaram com a pandemia. Foto: DR

O FMI afirma que os “gastos anunciados até agora nas economias avançadas chegam a mais de 9% do PIB, com outros 11% em várias formas de suporte de liquidez, incluindo injecções de capital, compra de activos, empréstimos e garantias de crédito”. No total, o equivalente a 20% da riqueza gerada durante o ano está a ser gasta ou perdida para a crise.


A grande maioria das áreas de negócio é afectada de forma negativa, mas algumas escapam aos efeitos adversos e conseguem crescer quando todos os outros parecem falhar.


E o vencedor pela positiva é... a Microsoft, quem mais?


Qual é a empresa que mais lucrou com a crise? A Oxfam fez as contas e concluiu que a empresa fundada por Bill Gates conseguiu, devido à pandemia, obter mais de 19 000 milhões de dólares de lucro do que seria expectável, face à evolução no triénio 2016-19.


A gigante do software beneficiou de um enorme crescimento das receitas resultantes dos serviços de nuvem do Microsoft Azure, e do aumento significativo das vendas da Xbox e do Windows, para alcançar um total de 49 mil milhões de dólares de lucro.




Farmacêuticas devem obter lucros extraordinários com a vacina... mas só algumas


Se 2020 correu bem à Microsoft, 2021 deverá correr extraordinariamente bem a três empresas do ramo farmacêutico: o consórcio Pfizer- BioNTech e a Moderna. Juntas, têm mais de 2 mil milhões de vacinas para entregar ao longo dos próximos meses (1.2 mil milhões e 800 milhões, respectivamente), perfazendo um total de 32 mil milhões de euros de facturação.


Quem vier a seguir é provável que já não tenha tanta sorte. Com o acumular de empresas produtoras, os preços cairão rapidamente e os lucros tenderão a ser menores. Para além disso, a Johnson&Johnson e a Astrazeneca prometeram disponibilizar as suas vacinas ao preço de fabrico, enquanto o estado de pandemia estiver declarado. Mais uma razão para que os preços baixem com rapidez, findo este período inicial em que as vacinas da Pfizer e da Moderna estão a dominar o mercado.


Vendas online da Amazon disparam


O comércio online é uma das áreas de negócio com maior crescimento nos últimos meses, fruto das políticas de confinamento e de distanciamento social. Para a Amazon, empresa presidida por Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, o ano tem sido de crescimento nos lucros, alcançado uns extraordinários 197%, em termos homólogos, no terceiro trimestre do ano.


Já os lucros acumulados até Setembro, cifram-se nos 14 300 milhões de euros, o que representa um aumento de 50% face ao mesmo período do ano anterior.


Já o vencedor pela negativa é... o turismo


A actividade turística mundial é, a grande distância, o sector mais afectado pela pandemia. Segundo um estudo da United Nations World Tourism Organization (UNWTO) houve uma perda acumulada de valores entre 910 a 1200 mil milhões de dólares de rendimento originados por este sector.


Globalmente, o número de turistas chegou a cair 97% em Abril (face ao mesmo período do ano anterior) e mesmo em Agosto a queda chegou aos 77%, o que corresponde, no total do ano, a uma diminuição estimada de 1000 milhões de turistas internacionais. Neste momento, há cerca de 100 a 120 milhões de postos de trabalho em risco.


Aviões em terra, companhias aéreas à beira da falência


A aviação está a viver um autêntico pesadelo, entre restrições de circulação entre países, desmarcações massivas de reservas e a necessidade de implementar medidas de segurança que penalizam a rentabilidade dos voos.


As receitas brutas sofreram uma queda global de 60%, segundo a International Air Transport Association (IATA), que representa 290 companhias de todo o mundo e 82% da totalidade do tráfego aéreo. Os lucros globais passaram de mais de 26 mil milhões em 2019, para um prejuízo próximo dos 120 mil milhões.


Muitas empresas (como a Lufthansa, na Alemanha, ou a TAP) estão a ser salvas através da intervenção estatal, com injeção de capital que faz aumentar a dívida pública.


Venda de carros é fortemente atingida


O vírus veio agravar dificuldades que o sector da indústria automóvel já vinha sentindo nos últimos anos. O site Statista contabiliza uma diminuição de 17% de unidades vendidas 2020 face ao ano passado, fixando-se nos 62 milhões de unidades.



Com estes resultados, os lucros globais deverão cair 100 mil milhões, diz a Mckinsey. Serão necessários anos (pelo menos até 2023) antes que seja possível recuperar de novo os níveis de rentabilidade alcançados antes da crise. Isto numa altura em que o sector automóvel enfrenta o desafio da adaptação ao paradigma do carro eléctrico.


2021 pode ser melhor, ou não

A manutenção de um quadro de incerteza generalizada, não permite prever quando é que os sectores da economia atingidos pelo vírus poderão regressar à normalidade, se é que tal será possível nos próximos anos.


O caminho para as empresas destas áreas de negócio mais afectadas não pode ser o da expectativa, mas o da pro-actividade e adaptação acelerada às novas circunstâncias de um mercado em contracção. É fundamental que haja incentivos à obtenção de créditos e que o investimento seja retomado o mais rapidamente possível, para que a obtenção de lucros, mesmo que reduzidos, volte a ser viável.

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