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  • Foto do escritorPedro Marques dos Santos

Vacinas: a nova arma e esperança da humanidade contra a COVID-19

Cerca de um ano depois da existência e perigosidade do vírus SARS-CoV-2 se ter tornado pública, as vacinas, produzidas em tempo recorde, começam a ser administradas um pouco por todo o mundo. O combate à pandemia ainda está longe de fim, mas este marco científico é um passo decisivo para esse desfecho.

Foto: Dado Ruvic

Quando em março, já depois da China se ter fechado em casa e limitado o contacto com o resto do mundo devido ao então “novo coronavírus”, grande parte do mundo entrou em isolamento, com palavras e expressões como teletrabalho e distanciamento social a começarem a fazer parte constante do nosso quotidiano, a comunidade científica trabalhava já a todo o gás para desenvolver as vacinas necessárias para pôr um travão nos efeitos devastadores da COVID-19 e daquilo a que a Organização Mundial da Saúde (OMS) se apressou a classificar como pandemia.


Numa altura em que as únicas estratégicas eficazes contra o vírus, como o uso de máscara, o distanciamento social e os limites aos ajuntamentos sociais, obrigam a sociedade a viver de uma forma a que não está acostumada, as vacinas são encaradas como a solução mais eficiente para pôr termo a este período difícil da humanidade. Para além dos óbvios benefícios ao nível da saúde, com a prevenção de infeção ou, pelo menos, redução do impacto da doença e a respetiva redução da sobrecarga dos sistema de saúde nacionais, estas injeções são também uma promessa do regresso à vida normal e uma salvação para os muitos setores em colapso económico.


A vacinação arrancou em vários pontos do globo em dezembro, praticamente um ano depois do vírus se ter tornado conhecido. Em Portugal, e em quase todos os estados membros da União Europeia, as vacinas da Pfizer/BioNTech começaram a ser administradas a 27 de dezembro. Antes disso, já o Reino Unido e os Estados Unidos tinham arrancado o processo com a mesma vacina. Na Rússia, o primeiro país a começar a vacinação a larga escala, a Sputnik V, cuja eficácia ainda é questionada pela comunidade científica internacional, já está a ser utilizada na população desde 5 de dezembro.

Foto: EPA

Vacinas produzidas em tempo recorde


Até à aprovação da vacina da Pfizer no Reino Unido, conseguida em cerca de um ano, a produção mais rápida de uma vacina foi para a papeira, cujo desenvolvimento demorou à volta de quatro anos. É por isso natural que muitas questões se levantem sobre a eficácia e segurança daquelas que chegam agora ao mercado. No entanto, o facto destas terem resultado de um esforço conjunto da comunidade científica internacional e aproveitado o conhecimento adquirido com o surto de SARS-1 em 2003, bem como a aprovação em regime de emergência e o fabrico das mesmas ainda antes do aval para a sua utilização ajudam a explicar a rapidez do processo.


De forma básica, uma vacina consiste numa substância que tem como objetivo enganar o sistema imunitário, levando-a a acreditar que está a ser atacado por um agente infecioso real. Ao identificarem a substância como perigosa, as células imunitárias desencadeiam a resposta de proteção, semelhante ao que acontece quando o corpo é invadido por um agente patogénico. A vacina tem então como propósito simular essa invasão e induzir a resposta imunitária, sem que ele lá esteja. Isto leva à produção de anticorpos que o sistema imunitário será mais rápido a produzir em caso de infeção real posterior por esse agente patogénico.

Imagem: Sanofi Pasteur

Antes de serem aprovadas, as vacinas passam por um rigoroso período de testes durante o desenvolvimento que envolve várias fases. A inicial, pré-clínica, diz respeito às experiências em laboratório em células e animais, onde são estudadas as fórmulas e técnicas mais adequadas. Na fase 1, começam os testes em pequenos grupos de pessoas saudáveis a fim de determinar se a fórmula é segura, se há efeitos secundários adversários, se desencadeia resposta imunitária e tenta-se determinar o caminho que o fármaco percorre no organismo.


A fase 2 estuda a eficácia da fórmula usada, a dose mais adequada, a frequência de administração e outras questões de segurança, com os testes a serem alargados a grupos maiores. Na fase 3 passa-se para a testagem em larga escala – milhares de pessoas – para uma avaliação mais aprofundada dos dados já mencionados e perceber quais a reações adversas mais frequentes. A última fase sucede à comercialização da vacina e pretende analisar a informação sobre o uso do medicamento na prática clínica, de forma a analisar os riscos a longo prazo, os benefícios e possíveis melhorias ao fármaco.


As quatro vacinas em fase adiantada e mais promissoras


Apesar de haver centenas de possíveis vacinas em produção, as quatro em estado mais avançado e em quais são depositadas mais esperanças são as da Pfizer/ BioNTech, a da Moderna, da AstraZeneca/Oxford e a da Novavax. As primeiras duas já foram aprovadas nos Estados Unidos e na Europa, enquanto a vacina da Universidade de Oxford foi, entretanto, aprovada pelo Reino Unido.

Foto: Dado Ruvic

Estas vacinas usam todas o mesmo antigénio, a proteína viral spike, para bloquear a entrada do vírus nas células. No entanto, a vacina da Novavax difere das restantes por se tratar de uma vacina proteica, mais tradicional, em que a proteína viral é administrada com adjuvantes para ativar a resposta do sistema imunitário. Ainda assim, a sua terceira fase de ensaios só vai arrancar este ano. Como vantagem tem o facto de não necessitar de condições especiais de armazenamento.


As restantes vacinas assentam na utilização do ARN mensageiro (ARNm), ou seja, em vez do antigénio spike ser administrado em formato proteico, é introduzido no organismo na forma de ácido ribonucleico, que contém a informação necessária para a célula produzir a proteína spike. Face às vacinas da Pfizer e da Moderna, a vacina de Oxford tem como vantagem o seu custo, a estrutura de produção já estabelecida e a facilidade de armazenamento, mas a eficácia ainda não é totalmente conhecida. A vacina da Pfizer tem uma eficácia de 95%, é administrada em duas doses com 21 dias de intervalo e requer transporte e armazenamento a 80 graus negativos. Já a da Moderna tem 94% de eficácia, um modelo de administração de duas doses semelhante, mas o armazenamento pode ser feito a 20 graus negativos.


Apesar destas serem das primeiras vacinas produzidas com recurso ao ARNm, o que levou ao fomentar da desinformação sobre as mesmas, a sua segurança já há muito é reconhecida pela comunidade científica. Mesmo assim, importa esclarecer que estas vacinas produzem mais reações adversas, como febre, dores musculares, dores articulares e dores de cabeça, do que as proteicas. É falso, no entanto, que provoquem alterações genéticas no nosso ADN.


Nesta fase, ainda existem muito perguntas por responder em relação às vacinas, entre as quais o período de proteção oferecido pelas mesmas, sabendo-se apenas que foram detetados elevados números de anticorpos dois e três meses após a administração da segunda dose da Pfizer e da Moderna, respetivamente. Como referiu Harald Henzmann, secretário da Comissão dos Produtos Medicinais de Uso Humano da Agência Europeia de Medicamentos (AEM), numa conferência de imprensa através da Internet, “ainda não sabemos se pessoas infetadas [e que foram vacinadas] podem ainda assim infetar outras. Até o sabermos, mantêm-se as recomendações de usar máscaras, lavar as mãos, manter o distanciamento”.

Foto: iStock

Outra dúvida prende-se com a eficácia das vacinas perante as mutações do vírus, embora por enquanto exista uma confiança generalizada de que essa ameaça ainda não será um problema nos próximos tempos. O que se sabe é que apenas quando uma proporção considerável da população, cerca de 70%, estiver vacinada é que a utilização de máscara e distanciamento social vão deixar de ser necessárias.


Pfizer na linha da frente, Moderna e Oxford também já estão a ser aprovadas


O Reino Unido foi a primeira região a aprovar a vacina da Pfizer, a 8 de dezembro, e definiu como prioridade os profissionais de saúde envolvidos no tratamento de pacientes com COVID-19, trabalhadores de lares e pessoas com mais de 80 anos, numa estratégia semelhante à que está a ser aplicada na maioria dos países. Entretanto, a 30 de dezembro, tornou-se a primeira região a aprovar a vacina da Oxford. Seguiu-se a aprovação nos Estados Unidos, com as vacinas da Pfizer a começarem a ser administradas aos trabalhadores de saúde em áreas de risco a 14 de dezembro. A primeira vacina foi dada em Nova Iorque, uma das regiões mais afetadas do país.


Depois de ter recebido pedidos de aprovação por parte da Pfizer e da Moderna no início de dezembro, a AEM deu aval positivo à primeira vacina a 21 de dezembro, com a Comissão Europeia a dar “luz verde” ao arranque da vacinação dois dias mais tarde. Desde então, também o fármaco da Moderna foi aprovado, a 6 de janeiro. A empresa espera fornecer entre 600 e 1000 milhões de doses da sua vacina até ao final do ano, mas o seu maior foco será o mercado norte-americano.


Foto: McKinsey & Company

Ainda antes da aprovação, já vários acordos com fabricantes de vacinas tinham sido assinados pela Comissão Europeia, entre eles a AstraZeneca/Oxford (300 milhões de doses), a Sanofi-GSK (300 milhões), a Johnson & Johnson (200 milhões), a BioNTech/Pfizer (300 milhões), a CureVac (405 milhões) e a Moderna (80 milhões de doses numa primeira fase, 160 milhões numa fase posterior).


Prática comum aos vários países onde a vacinação já arrancou, a toma da vacina é gratuita e facultativa, mas altamente recomendada. No que diz respeito ao países mais pobres, o Covax, mecanismo criado pela OMS e outros organismos, pretende garantir que, numa fase inicial, 3% da população desses países seja vacinada. Espera-se também que os países menos ricos de África e do Sudeste Asiático, como a Índia, possam receber vacina a baixo ou custo zero no âmbito deste programa ao longo de 2021.


27 de dezembro: arranque da vacinação em Portugal e na União Europeia


Após a aprovação, as vacinas da Pfizer viajaram para os 27 países da UE para que o processo de vacinação arrancasse em simultâneo por todos os estados membros entre 27 e 29 de dezembro. Das 300 milhões de vacinas asseguradas pela UE à Pfizer, Portugal vai receber 2,2 milhões de doses, com o primeiro lote a incluir 9750 vacinas. Entre 5 e 21 de janeiro, mais 303.225 doses vão chegar ao país através deste fabricante.


Devido às condições especiais de transporte e armazenamento, as vacinas estão a ser guardadas em centros em Coimbra, no Funchal e em Ponta Delgada. Com a aprovação da vacina da Moderna, sabe-se também que as primeiras 8 mil doses deste fármaco vão chegar na semana de 11 de janeiro e outras 11 mil na de 25 de janeiro. No total, Portugal vai comprar mais de 22 milhões de doses de vacinas contra a COVID-19, o suficiente para vacinar toda a população uma vez, numa operação a rondar os 200 milhões de euros, segundo Marta Temido, ministra da Saúde.

Imagem: Direção-Geral da Saúde

Em Portugal, o processo de vacinação está dividido em três fases. Na primeira, vai ser vacinada a população prioritária, constituída por 250 mil funcionários e residentes em lares ou internados em unidades de cuidados continuados, 300 mil profissionais de saúde, das forças de segurança, das Forças Armadas e de outros serviços críticos e 400 mil pessoas a partir dos 50 anos com doenças de risco, como insuficiência cardíaca. As pessoas abrangidas são contactadas por SMS para dizerem se querem ou não ser vacinadas. Nesta fase inicial, as vacinas vão ser administradas em centros de saúde, lares e unidades de cuidados continuados. As farmácias apenas devem começar a poder administrar vacinas depois de março.


Na segunda fase, vão ser vacinadas cerca de 2,7 milhões de pessoas com 65 ou mais anos, com ou sem patologias, e pessoas entre 50 e 64 anos com diabetes, neoplasia maligna activa, insuficiência hepática, hipertensão arterial, entre outras patologias. Finalmente, na terceira fase, que se prevê que comece apenas em julho, vai ser vacinada a restante população. Há, contudo, a possibilidade de serem definidos um terceiro e quarto grupos prioritários, com base no ritmo de entrega das vacinas.

Foto: José Coelho/Lusa

Os profissionais de saúde do Centro Hospitalar Universitário de São João, do Centro Hospitalar Universitário do Porto, do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte e do Centro Hospitalar de Lisboa Central foram determinados como prioritários, devido à sua importância na resposta à pandemia. António Sarmento, diretor do serviço de Infecciologia do São João, foi o primeira a ser vacinado contra a COVID-19 e, após o processo, garantiu estar “absolutamente tranquilo com a vacina”.


Até às 21 horas de 27 de dezembro, já 4534 profissionais de saúde tinham sido vacinados em Portugal, de acordo com os números avançados por Diogo Serras Lopes, secretário de estado da Saúde, à SIC Notícias, numa entrevista em que confirmou que os profissionais de saúde do privado também serão vacinados na primeira fase. A vacinação tem prosseguido sem percalços desde então. Na Madeira, o processo arrancou a 31 de dezembro e a 4 de janeiro começou a vacinação em lares de idosos e unidade de cuidados continuados.


O caso da Rússia e da sua Sputnik V


A Sputnik V, vacina produzida no Centro Nacional de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya, em Moscovo, e com o apoio do governo Russo, foi a primeira a ser administrada em larga escala, com o processo a começar a 5 de dezembro. Devido à rapidez com que a vacina passou as várias fases do seu desenvolvimento, levantaram-se dúvidas quanto à sua eficácia e segurança, apesar do executivo de Vladimir Putin apontar para uma eficácia de 95%, em duas doses separadas por 21 dias.

Foto: Adriana Toffetti/A7 Press

Na fase inicial, foram excluídas do plano de vacinação pessoas com mais de 60 anos, mulheres grávidas e lactantes, pessoas com certas doenças crónicas e ainda quem tenha sofrido de doença respiratória nas duas semanas anteriores. Isso foi salientado por Simon Clarke, professor de Microbiologia da Universide de Reading, à “Al-Jazeera”, que afirmou que “porque foram usados grupos de estudo pequenos, dizer que tem uma eficácia de 95% nesta fase pode ser um pouco prematuro. É preciso lembrar que não estão a administrá-la a pessoas com mais de 60 anos e esse é realmente o maior grupo de risco”.


A situação alterou-se, entretanto, com o Ministério da Saúde da Rússia a aprovar o uso da Sputnik V em pessoas com mais de 60 anos, faixa etária em que a eficácia baixa para os 90%. Devido a esta limitação inicial, os primeiros a serem vacinados na Rússia foram os profissionais de saúde, professores e trabalhadores do setor social. A Argentina já aprovou e recebeu doses desta vacina e o Brasil também está a estudar a compra da mesma.


Vacinas não significam o fim da COVID-19 e os seus efeitos só devem fazer sentir-se no final do ano, alerta a OMS e os especialistas


Numa fase em que se aproximava a aprovação das vacinas, já a OMS alertava a população para não baixar a guarda. A 4 de dezembro, em conferência de imprensa, Mike Ryan, responsável de emergências sanitárias do organismo, afirmava que as “vacinas não significam zero COVID” e que não vão ser capazes, sem o auxílio de outras estratégias de combate à pandemia, de “fazer esse trabalho”. Naquele que é “um ponto de inflexão da pandemia”, Ryan pede que as pessoas “continuem a fazer os esforços” necessários até aqui.

Mike Ryan, da OMS. Foto: Denis Balibouse/Reuters

Esta opinião é partilhada por Joaquim Ferreira, professor de Neurologia e Farmacologia Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Em declarações à Agência LUSA, o também diretor do laboratório de Farmacologia Clínica do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes adiantou que “no melhor cenário” e “tendo os grupos de risco vacinados ao longo dos primeiros três meses do ano e depois todos a seguir até Julho, Agosto, as coisas só começarão a mudar radicalmente a partir do verão. Em Outubro será quando as coisas, idealmente, voltarão a uma maior normalidade”.


Por sua vez, Miguel Castanho, diretor do Instituto de Bioquímica da mesma faculdade, destaca um fator que pode complicar o combate à pandemia no período pós-vacinação: o tempo de imunidade conferida pelas vacinas. “Se, quando vacinarmos as últimas pessoas, as primeiras tiverem que ser vacinadas novamente, isto passa a ser uma operação em contínuo e será muito difícil assegurar vacinação global”, explica o investigador. Castanho acredita também haverá zonas de globo para as quais não será aconselhável viajar sem vacinas, como já acontece por causa de outras doenças.


Apesar das muitas dúvidas que ainda subsistem sobre o impacto das vacinas para controlar esta pandemia, a revista científica Science elegeu o “desenvolvimento rápido de vacinas eficazes” como o avanço científico de 2020. “Nunca antes tantos concorrentes colaboraram de forma tão aberta e frequente, nunca antes tantos candidatos avançaram para testes de eficácia em grande escala, nunca antes governos, indústria, academia e organizações sem fins lucrativos gastaram tanto dinheiro, músculo e inteligência na mesma doença infecciosa em tão curto prazo”, apontou o colaborador da revista Jon Cohen, citado numa nota da Associação Americana para o Avanço da Ciência, que edita a publicação.

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